segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ESPELHO...

Espelho...


Momento de afirmação!!!!

De identidade estetica!!!

De poder ou de fraqueza.



Espelho...

Objeto de estudo!

Aonde me compreendo!

Espaço aonde sinto a força da minha raiz...

AH! Mãe ÁFRICA!!!!


Espelho...

A negritude te venceu!!!



*Sivaldo Reis

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

No ritmo do banzo

Com o coração apertado o sofrimento lateja!



Não, essa não é mais uma de amor.


Olho pr’o lado, só olhos atormentados – o medo. Do outro lado, a boca fala outras línguas ou a mesma. A minha, seca num grito silencioso. Nem todas as bocas gritam o medo. Muitas calam-se.


As mãos, não as sentia mais. Nelas pingava o suor que escorria do corpo. O corpo do outro. Tantos outros que a conta se perdia em meio à escuridão e ao embalo do mar.


O sofrimento se multiplicava em olhos, boca, suor e nos outros, tantos aflitos.


Tensão. Fuga.


Em alto mar são raras as chances de saída. Aqui, elas não existiam. As correntes são fortes e se prendem ao meu grito, ao suor, ao sofrimento de todos. Todos juntos num só murmúrio.


Tristeza e nostalgia – banzo.


Meu murmúrio era calado. Não suportava aquela agonia.


Suor, sangue, sofrimento, murmúrio.


Dor no peito. Tontura. Espuma. A idade já pesa. O banzo se esmera em alto mar. O grito não sai. Todo grito é suportável ao lamento da dor. Mas esse não o era. E eu ali sentado, entre correntes e corpos. Tantos.


Suor, sangue, dor, espuma, murmúrio – morte. Tão lenta quanto o último pingo do suor no seu rosto. Como um bom ser humano, pensei: antes ele do que eu.

Ver sofrimento alheio é imaginar-se livre de algumas dores.


Logo vi escrito na tua face: antes aqui do que lá.


Perguntei-me onde. No ritmo do banzo, a história te conta.

A mais corriqueira delas.


*Andreza Conceição
Licenciada em Letras vernáculas pela UNEB, graduanda em Pedagogia pela UFBA.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Caruru

O menorzinho comeu logo três pratos; esperou mais tempo e ainda pegou a gamela _não se importou de sujar as mãos. Alguém pediu que limpasse ouro no pano branco. O maior era retraído, mas o menor destemido obedeceu. Depois soprou as mãos que parecia brincadeira: cantou forte o já comeu, cantou o já bebeu e o que está fazendo aqui. Esperou mais, prudente que era, lá no cantinho da sala, juntinho da mesa, perto dos maiores que aguardavam a vez. “Esse aqui ainda não teve, não é menino?”. Ele assentiu numa esperteza de sobrevivente, contando umas sete moedinhas no chão, onde os pés não se iam; nem os dele, nem os de ninguém, todos cuidavam de evitar aquele canto. Mas, pra minha surpresa, em novo instante, o peguei curioso admirando a oferenda no fundo da casa, pois gostou muito foi de ver as velinhas coloridas e, se não me visse olhando de cá, ia firme no mel do santo. “Essa não pode!”. Ele riu-se todo com os olhos cutucando o maior descrente. Alguém contou os pedaços de galinha em seu prato comparando os sortidos, outro lhe dera umas balas em segredo. “Espera a galinha gorda!”, ordenou o velho passando com os sacos grandes enchendo as vistas de todo mundo, até dos que entraram sem ser chamados. Enquanto isso, a criançada do lado de fora se engalfinhava numa confusão danada atrás da galinha gorda, mas ninguém conseguia passar pra dentro. Foi um pega daqui, um pega acolá, puxa as calças de um e outro, segura o rabo de cavalo das meninas e tome sapato e sandália pra todo lado. Aquilo era a felicidade que vinha doce numa chuva de balas tomando conta da rua toda:”Essa é minha!”, gritou um catando no chão. Um magrinho só de meias escapou com os bolsos cheios e a boca dourada de dendê, rindo como um gaiato depois de levar vantagem no empurra, empurra....La dentro, alguém consentiu a cabeça e o Erê desceu, a roda ficou animada e as palmas uniram-se ás vozes. Um rapaz riu também da traquinagem do menorzinho, que ensaiou um samba miudinho, antes de ser puxado pela manga da camisa; fora mandado para o canto: “Aqui não pode, energias, espere aí!”. O maior, gostando de tudo ver, abaixou-se pra segurar a barra branca da saia da menina:”Oxe!”, a coisa tava foi boa. Eu só sei é que lá pelas tantas, no lajedo da frente, foi uma graça ver o cansaço das crianças barrigudinhas de tanta farra de comida. Alguns tomaram a benção de Mainha cheios do merecido respeito, como gente grande. E assim, de praxe, não faltou quem perguntasse: “minha Tia Preta, aquele quiabo grande, eu comi e agora?”. Ela respondeu, contente que só ela: “Agora é sua vez!. É com você, Cosme, Damião e Doum!”. Omi Beijada!

*Letícia Reis
Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia - Salvador - poeta e cronista

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Política dos ressentidos não é só a dos outros

Certos anarquistas gostam da condição de miserável e de explorado: duas palavras que possuem, para eles, uma espécie de brilho sedutor e que, depois de promovê-los gradualmente em suas carreiras, dão-lhes um pedestal elevado e agradável ao seu amor-próprio. Através delas, fazem-se mártires e salvadores ao mesmo tempo: no seu gosto plebeu quase perecem do próprio nojo e da compaixão como pena imposta a si mesmo; no seu ofício de justiceiros pretendem inflamar esperanças no outro. Não raras vezes, esquecem que as palavras estão cheias daquela mesma vida infame, segundo a segundo.
Reclamam-se "anarquistas sociais" e sustentam a mesma prática dos liberais: tomam a "sociedade" como objeto da sua política nomeando como inserção social o que os liberais chamam de política social e assistencialismo; ignoram que social é uma estratégia liberal de pacificação, visando um modo específico de organização da sociedade precisamente na intersecção entre indivíduo e Estado, entre civil e político. Tola maneira de desejar distinguir social de individual, próprio ou de estilo de vida.
São intransigentes como os plastificados moralistas; trazem no cérebro juízos e convicções que fermentam sua ânsia de poder. Não são menos polícia por não terem farda, nem menos juízes por não carregarem toga: impotentes no seu governo e tribunal apegam-se a um efêmero autoritarismo, confundindo o brilho litóide anarquista com o ouro de tolo garimpado por um inocente crente no bom e no bem.
Ana Carla dos Santos
Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia e em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, poeta.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Nossa Identidade

Amar...querer...poder,
Sinônimos de um ser,
Expressões de uma identidade confusa,
De uma pergunta culta,
Quem sou?

Diversos traços trago no linear de minhas características;
Diversas idéias confusas,
Afinal, como desenvolver a nossa identidade?

Diante a realidade ao qual vivemos
Devemos seguir ao máximo o nosso desenvolvimento
E ir em busca do autoconhecimento.
Qual a minha identidade?





*Fagner Chagas
Estudante, poeta e ator

Rastafary man, Dube

Grande fé e luta!
Não se fariam presentes
Se não fosse seu canto
Cantou nosso sofrimento e nossos sonhos
E em cada canto deste mundo
Nós, irmãs e irmãos nos encontramos
Em nosso doce e resistente colo.

Prisioner, prisioneiros somos
Mas o desejo de pulverizar este sistema
Fez com que muitas casas
O tivesse como mensageiro, pai.
Minha família hoje canta a sua ida, Lucky.

Não existe guarita. Deve existir?
E no respeito apertado em nosso povo
Minha família, sua família
Nossa África recanta irmãos:
Peter Toshy, Bill Holliday,
Bob Marley, Felá Kuti,
Rastafary man, Lucky Dube.

*Aará
Estudante da vida

Industria Africana!!

Há uma sangria desatada em meu sangue.
Ele sanguessuga-me a mim!
Meu samba de roda!
Quem samba?
Eu sambo!

(Refrão)
Batuque,
Pandeiro,
Meu canto,
Guerreiro.
Eu canto!
Primeiro
Minha voz,
De encanto!
Meu santo,
Terreiro!

O samba me leva, carrega e me guia!

E eu sinto a mãe África na sola do pé!
E eu sinto meu nego, que ela me qué!
E eu sinto a mãe África me dá alegria
E eu sinto que sinto que o samba irradia,
E que a liberdade dos cantos de outrora me guia!

Quem canta?
Eu canto.

(Refrão)

E todo dia eu sambo,
Eu quebro, rebolo, me embolo.
Meu samba, eu quero!
Que quero, que quero!

(Refrão)

Eu quebro a corrente do teu pré-conceito.
Minha pele me diz de onde vim bem primeiro!
E de lá me orgulho,
Dessa terra de outro mar.

E é lá que um dia eu sonho em voltar a pisar!
Aguarda minha mãe,
Este dia há de chegar!

Quem toca o pandeiro?

Eu toco!

ChicO, sambando pra danar!

*ChicO
Compositor, poeta

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Intensamente

Quero sentir a palavra nascer do ventre da tinta
E rasgar o papel que a segura
Contornar a perfeição de Machado
Beijar a garota de Jobim
Dar amor aos amantes amados.
Quero que as palavras voem, gritem!
Em todo o canto, encanto.
E seduza, seduza...
E enrolar, encaixar.
Envolver, trepar...
Com as letras e com a imaginação dos que as lêem.
Quero fingir que acredito nessas palavras, sem ação,
Que enganavam (e enganam) meu coração,
Mas apagaram-se como as letras na areia;
Mas esqueceram-se como as palavras do ex-amor.
Quero viver e morrer aos noventa,
Tocar nas rugas e ter coragem
De sentir a palavra nascer do ventre da tinta
E chorar por ter acreditado...
Quero vê as palavras se apagarem dos meus rascunhos
Assim como da minha voz.
E morrer como a vida de uma borboleta:
Rápida, mas bela.
Por ter voado com palavras na mais insensata forma de viver: amando.


*Ana Carla dos Santos
Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia e em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, poeta.

É isso...

Nossos pés pisam solo, solo racista!
Somos diariamente fuzilados
Pelas armas da polícia.
Não podemos adentras em bancos, shoppings...
O olhar do opressor é fatal
Entrou preto é marginal.
Nossas faculdades são as ruas
Somos mestres e doutores
De uma realidade crua e nua.
“Nossos” ônibus andam lotados
Pela tarifa que pagamos
Seria absurdo pensar em ar-condicionado?
Estamos todos desempregados
Sem dignidade não há paz
Isso está mais que provado.
O que será que nos denuncia...
A negritude de nossas peles?
O que há nisso de absurdo?
Certas reflexões me deixam mudo.
Mas não tão mudo pra dizer o que sinto,
O que penso e o que vejo
Dentro de uma Salvador que não nos salva.

“Sinto que a poesia preta
Necessita se aproximar um pouco mais
Da simplicidade, pois, nossa literatura
Não é apenas glamour, mas, um grito revolucionário.
E é justamente por isso
Que tento em meus versos, fazer parte dessa revolução.”

*Sivaldo Reis
Graduando em História pela Universidade Federal da Bahia - UFBA

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Prá gostar de ser

Ébano, ônix,
Azeviche, jaboticaba.
Olhos de rubi,
Cabelos de mata, torcidas raízes,
Naturais, ornamentais.
Presença revivida
Dos nossos ancestrais.

A síntese
Da noite, petróleo, carvão,
Açúcar cândi, chocolate, mel.
Doçura, alegria, beleza,
Luta, conquista,
Certeza.



*Ana Célia da Silva
Professora adjunta do DEPED/Campus I e militante do M.N

Aéreo

Suspenso, inerte, perdido no ar,
Sem sobra, parede, lugar para estar
Vazio, sozinho, silêncio a lhe carregar.
Tudo falta você!!!!

Luz, chão, vai ficando distante
Flutuo, vou a busca do infinito em transe
A história dos dedos deixaram apenas marcas
Satélite, teu desejo outrora, me afasto

Parede branca, lua cheia
Casinha pequena, eu dexei-a
Sem laço, cortando umbigo-asfalto
Vou subindo, subindo, alllllllllltttttttooo

Viaje errante
Meu medo do instante
Sem futuro seguro
Vou caindo no escuro




Lindomar Luis de S. Paixão
Bacharel em Adm. pela UNEB

sábado, 26 de setembro de 2009

Primeira Palavra

Primeira palavra.
Procurava a primeira, pra começar algo que fale de mim. Procurava uma forma de explicar algo que aparentemente não se explica.
Quando olho aquele rostinho tão singelo.
Aqui apertada na saudade, as exatas 00:00 da noite, começo a relatar.
Foi surpreendente o seu chegar... Foi em um momento engraçado, indo a uma manifestação no centro de São Paulo... Estranhamente, sentia dores, ao tentar fechar o botão da calça, e dentro do carro eu dizia:
- Minha calça não quer fechar.
E me perdia no grito alucinador de alguma das ruas que compunham o percurso até o já batido local de encontro de “rebeldes”. Paulista.
Não me atrapalhava de forma alguma. A cabeça de uma pequena preta de 16 anos, nunca entenderia a grandeza do que estava acontecendo.
Feliz, na conversa com amigas demonstrava a ansiedade de saber o quanto antes se aquilo que suspeitava era verdade. Como se fosse mais uma de suas aventuras, tantas já vividas mesmo com tão pouca idade.
- Tenho vergonha, não tenho coragem de pedir.
- Porque? Nossa nada a ver!!! Tudo bem eu peço.
- Quanto custa o teste de gravidez?
- Tem de sete, de treze, de quinze. E esse de vinte que é eletrônico.
- Me vê o de treze, por favor.
E eu, sem conseguir olhar para a atendente, observava a tranqüilidade da No, como se comprasse um antiinflamatório.
- Obrigado.
Saiamos rapidamente da farmácia, ainda sem almoçar, fomos a pastelaria, com pressa de voltar logo para a escola.


Logo de manhã já se ouvia o som do rádio. Aquele que eu ainda não conhecia a grandiosidade do coração, levantava pra mais um dia de labuta.
Pulando da cama, chego ao banheiro com o confuso instrumento, que me revelaria, ou negaria. Sem saber certamente como utiliza-lo e com pressa, medo que alguém batesse a porta do banheiro, com o celular na mão, preparei o coração, para agir friamente ao resultado. Não foi preciso esperar os necessários cinco minutos. Mal encostado a urina, o teste já trazia o resultado. Duas listras? Sim! Positivo...
Abri a porta do banheiro, vesti minha roupa... Peguei a bolsa e corri até o ponto. Sem tomar café, sem pensar, coração aos pulos...
Agora o ar não será mais o mesmo. As pessoas, a forma de caminhar. Não quero respirar essa fumaça cinza, não quero que me empurrem, e nem me apertem no buzu. Não quero subir correndo a rua, mesmo atrasada!

Chego escancarando a resposta no olhar. Sabem elas de tudo que ocorre, somente elas. Então, mal entro e a curiosidade as deixa inquietas:
- Deu positivo...
- Ahhhhhhhhhhhhhh.
É a única coisa que ouço, nada mais tem sentido, a não ser aquilo. Somente aquilo.

Ângela Medeiros
Mãe Preta, graduada em Relações Internacionais, das periferias do ABC-Grande São Paulo.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Blefe


Ainda está entranhado na pele, como uma maldita praga que não se consegue largar. Reclamava de falta de inspiração e agora toma. 57 dores que sufocam o peito e deixam uma dor lancinante, como se recebesse 57 facadas por um corpo que vaza água. Levemente salgada, vulgo lágrima. Mas leve não é um adjetivo cabível nessa noite, onde o peso do mundo sobrecarrega toda uma cabeça. Então, toma-lhe reclamar do gênio insuportável, da noite mal dormida, da companhia chinfrim, do dia mal sucedido e da vida fracassada. Exageros. Todo canceriano é chegado em um exagero. Não se abre tão fácil um coração assim, como se abre um par de pernas. Textos que são publicados são sempre aqueles mais escrotos. As pessoas sempre gostam de saber com quem você se deita. Como se fosse grande coisa. Eu não analiso a vida cotidiana, eu não analiso dores e amores, eu analiso o nada. E as pessoas compram.



Lílian Carvalho
Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia-Salvador.

O que se esconde em um elogio

Os cabelos são mais uma das armas do racismo camuflado vigente em nosso país, mostrando o processo que o colonizador destinou à mulher negra, espaços predeterminados e se essa quiser alçar outros espaços tem que se “adequar” aos padrões da sociedade colonial.
Na atualidade, o racismo continua no cotidiano dos negros (as) através de frases aparentemente elogiosas, pois os racistas se mostram quase que “envergonhados” de negarem que nós somos belos abertamente, então, hoje dizem em expressões irônicas: – você é linda... Mas seu cabelo? – Cabelos “flops” dão leveza! Alise boba! – Se fizesse escova mudava sua fisionomia!
Nossos cabelos têm sido alvos constantes, porque nós buscamos a inserção em todos os espaços (indústrias, faculdades) fugindo do estigma colonizante do ambiente doméstico, onde cabe apenas obedecer aos Senhores, pois em nossa cultura eurocêntrica, destituir-se de aspectos de negritude, principalmente do cabelo, garante a ascensão social. Porque a partir do momento que o cabelo é modelado a fim de parecer liso assegura o acesso a um emprego, a círculos de amizades (privilegiados); enfim, é o cabelo um passaporte para o sucesso.
Negra Li é um exemplo simples e recente desse monopólio industrial do cabelo. Reportando-se as mulheres negras americanas e sua estética diversificada, a cantora/atriz garantiu um espaço televisivo e um Marketing maior de suas músicas entre as adolescentes de distintas raças. A textura crespa da época de sua parceria com o Rapper Helião deu lugar a um fio mais esticado com direito a aplique e várias mechas alouradas. E como no mercado musical capitalista global as louras ganham mais, ela tentou! Conseguiu? Não podemos responder. São tantas (Shakira, Beonce).







Ter o cabelo liso e a pele clara é o ideal fundamentado pelas idéias do racismo cientifico que apregoavam os conceitos de raça que norteavam o caráter do sujeito seguindo apenas características físicas como fator desencadeante da subdivisão de espécies dos seres humanos.
Estes conceitos anteriormente citados foram trazidos das teorias cientificistas do século XVII e difundidos no Brasil no inicio do século XX por Nina Rodrigues como os primeiros estudos antropológicos físicos. Os ideais de Nina Rodrigues estão tão entranhados na sociedade baiana que mesmo se vendo nas ruas em belos blacks, em capas de revistas e na TV, o modelo de beleza branco é o único aceitável e se aproximar deste estereótipo, transformar-se em Gisele Buchem é o que todos desejam, porque mesmo sendo branco não basta! Tem que ser branco, magro, alto e ter olhos azuis a ponto de não ser identificado como negro. É o que se almeja para ser um igual e aceito.
Em nossa cidade de São Salvador o racismo “veste” várias camadas mantendo o sistema. A partir da militância as mulheres negras assumiram seu cabelo crespo solto, trançado, penteado com palhas e contas. Não é fácil ter Black ou tranças, porém é por meio de pequenas batalhas diárias que se faz a mudança, presente nas ruas de nossa negra cidade.
Não há mais estranhamento em ver advogadas, universitárias, médicas, mantendo o cabelo natural como símbolo principal de negritude a despeito dos valores da sociedade. Sendo assim a forma como se trata o visual preponderante para valorização da mulher negra em todos os ambientes que queremos estar inseridas, como nos diz Bell Hooks em seu artigo Alisando nosso cabelo.
Esse tipo de preconceito por padrão de beleza nunca foi e nem será um mito/grito de Democracia Racial e sim, Demagogia social. Não desejamos ver outras mulheres da luta na frente de nossas TVs destituindo discursos políticos antes e depois da Fama do Plin Plin, mas para galgarmos isto talvez se faça necessária uma boa dose de ironia e pulso forte em mais um capítulo da novela diária chamada Chica da Silva no país da Democracia Racial.

Fotos disponíveis em:
*armasdefogo.blogspot.com/2005/06
**http://www.emiolo.com/v7/index.php?secao=entrevistas/2007







Elque dos Santos
Graduada em Letras Vernáculas pela UNIJORGE, Arte-educadora e militante.

Ana Fátima dos Santos
Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia e militante.

Baiano Rala!


Fico intrigado e até irritado quando insinuam ou dizem que nós somos preguiçosos. Jamais! Baiano rala muito!
Historicamente somos um povo que muito lutou e ainda luta para viver, conviver e sobreviver, em meio a tantas dificuldades.
Nossos antepassados foram tirados de seus lares e de suas práticas, sem nem terem a opinião solicitada. Foram obrigados a trabalhar de forma escrava, não sendo nem considerados como gente. Com um fardo tão pesado, não precisavam praticar exercícios físicos para a definição muscular ou ter uma pessoa que os acompanhasse para a manutenção dos corpinhos sarados; já puxavam ferro suficiente para manter a boa forma, além de ter um feitor à escolta para sempre lembrá-los, violentamente, da condição subumana a que eram submetidos.
A idéia sulista, em que se imagina o nordeste como uma região de pessoas ignorantes e letárgicas, ainda é alimentada em seriados e novelas, que se propõem retratar a realidade nordestina, através de interpretações grotescas e frustrantes. Não só possuem personagens esquisitos, como os apresentam com um ritmo totalmente aquém da escala de segundos e minutos.
Não nos deixemos ridicularizar por um espaço midiático, inoportuno e aproveitador, em que o aspecto financeiro prevalece sobre uma honrosa e respeitável cultura como a “nossa”.
Nosso maior diferencial é a alegria e a forma de lidar com as atribulações. Transformamos dor em festa, sem nunca perder a sensatez e o equilíbrio, e assim buscamos fazer nossas atividades com leveza e descontração.
Infelizmente, muitos dos nossos irmãos, tios e pais vão para o sul do país em busca de oportunidades de trabalho, e são avacalhados a cada momento por serem nordestinos. Não temos um cotidiano enfadonho, nem somos mecânicos; se ter tais atributos é ser trabalhador, morreremos “preguiçosos”.
Confundem muito, por aí, a malemolência, a ginga e ao swing baiano, com certa “lerdolelência”, que não traduz nossa realidade. É um tal de m-e-u r-e-i, m-e-u n-e-g-o, com uma pronúncia que dura quase uma semana, dividindo não as sílabas, mas balbuciando letra por letra, como uma espécie de retardo mental, autismo ou coisa do tipo.
Baiano “rala” muito e de várias maneiras. Trabalhamos arduamente e mesmo assim não deixamos de curtir nossas animadas festividades. Não precisamos viajar tão longe, gastarmos horrores em dinheiro, passarmos horas e horas nos aeroportos, para nos divertirmos, nem tão pouco passarmos o carnaval encurralado em cordas, protegidos por um escudo humano de “cordeiros de Deus”; ou então, ficarmos aportados em camarotes, com não sei quantos metros de altura, custando até o olho cego das costas, e tendo que beliscar petiscos a festa toda, porque é coisa de gente chique.
O povo que faz essa cansativa trajetória faz em busca de uma esnobe e fétida distinção, mas no final das contas, evidenciam a rendição ao charme e aos encantos dos “preguiçosos” mais trabalhadores que o sul nunca terá. Desta forma, com a busca excessiva de superioridade, esse povo perde o ponto mais alto do carnaval baiano, que é o calor humano, o contato com pessoas nunca vistas antes, a paquera, o beijo solicitado, a amizade de carnaval, o acompanhamento de coreografias ritmadas, que só nós sabemos e sentimos o quanto é bom viver nesta terra mística, arretada e que transpira cultura.
Somos tão diversificados, que conseguimos ao mesmo tempo ter um emprego fixo, um biscate no final de semana e ainda vender alguma coisinha pra garantir um trocado pro reggae. Há quem diga que só tem um trabalho; há quem estude muito e construa uma próspera carreira acadêmica; há quem não trabalhe também, porque não? Há quem cate latinha, há quem cante, toque e dance pra se manter, sendo isso, prova viva de que até curtindo estamos trabalhando!
Não há como duvidar, que a preguiça caimizada, vinicisada e jorgeamadizada de se balançar na rede e comer acarajé, passando a tarde toda em Itapuã, é algo de gente que realmente não tem o que fazer. E pra esse tipo de gente, aqui na Bahia, estamos fazendo uma investigação apurada, com um prêmio de vários abadás, pra quem conseguir encontrar, porque é difícil!
Ralamos tanto que existem até os que “ralam o pinto” (canção que está entre os primeiros pagodes baianos do final da década de 80 e início de 90), os que ralam na boquinha da garrafa, os que ralam a tcheca no chão, o que comprova, que mesmo não trabalhando em terra de origem, turistas ao chegarem à Bahia, também ralam: rala carioca, paulista, espanhola e também a tcheca, que de tanto ralar ficou solta, ao ponto de só conseguir descer até o chão, “com a mão no tabaco”.
Realmente incomodamos por viver da melhor forma possível, até o ponto de nos momentos de grandes emoções festivas, no limiar de uma quebradeira, ouve-se o jargão: “a casa vai cair, a casa vai cair...”.
As más concepções sempre existirão, e a melhor forma de encará-las, é lembrando aos recalcados que Maria Bethânia é baiana, Gilberto Gil é baiano, Nizan Guanaes é baiano, João Gilberto é baiano, Chica Xavier é baiana, Dias Gomes, Jorge Amado e Milton Santos serão eternamente baianos!
Ah! Só a nível de lembrança, o BRASIL foi “encontrado” a partir da Bahia, as primeiras perspectivas de Brasil partiram da Bahia, os primeiros projetos para o território brasileiro tiveram a Bahia como referencial e os primeiros trabalhos desenvolvidos nesse país começaram na BAHIA.



Jucimar dos Santos
Graduando em História pela Universidade Federal da Bahia e militante-artístico.

domingo, 23 de agosto de 2009

Eu sou aquela mulher negra que há
muito tempo habitava outras terras.

Era uma moça com seus sonhos e ilusões,
tinha família para cuidar e filho para criar,
era mulher negra guerreira.
Mas fui arrancada, seqüestrada,
trazida para essa terra desconhecida
para ser escravizada.

Tratada como animal fui violentada
sexualmente, e
tinhas seguintes fins lucrativo
para uma sociedade escravista:
trabalhar, servir “seu dono”,
dar lhe “prazer” e procriar.

Tiraram minha linguagem de origem,
mas não tiraram minha essência.

Por que essência é hoje eu poder
e ter o orgulho de dizer,
Que sou mulher negra e sou fruto
da nossa autoconsciência.

*De Cassia
Mulher Negra de luta

Acerto de cotas



depois de nos espremermos
sob as pontes
dividindo pedaços de vão
depois de esquentarmos nossos medos
nos limites de cada prisão
e de disputarmos com todos os bichos
buracos no parmesão
é hora de outras partilhas...
distribuir agasalhos, e não o frio
repartir comida, e não a fome

depois dos lares loteados
pelas botas da violência
e dos empregos cotizados
para servir às aparências
depois dos elencos rateados
nos cabendo a subserviência
é tempo de outros papéis
e – por que não? - de anéis...


* Lande Onawale
Poeta e Militante

Na força do Rumpi

O Rumpi que transpõe-se as cercas,
Que rompe as mordaças do ignorar,
Que o axé,

Poder do orixá,
Acumulada nos terreiros,
Difundidas por alabês
Na celebração/saudação.

Só com a força do Rumpi,
os homenageados podem dançar.

Ouvindo e sentindo
o axé dos Rumpis,
Batas, Tan-tans e Cotôs
Me envolve na profunda
Magia do momento.

E fui encontrar na África
A benção e o louvor
De meus inquices.

*Elque dos Santos
Arte-educadora e militante

Agostinho Neto

Te revelo neto
Lutador de feitos
Com seu destemido exemplo
Por seu feliz desrespeito
Por muitos fora preso
Uma, duas,....três...opa.
Perdi até as contas

Neto do suplicio fez seu brilho, seu lume
Juntou-se a poesia e fez dela costume
Cativou intelectuais
Com sua crença meu futuro de paz

Te revelo Neto
Lutador de feitos
Por seu feliz desrespeito
Por muitas fora preso
Uma, duas, três, tantas que nem sei
Mas a revolução ele fez
Faz e fez-se
Para a História negra de todo o sempre.

Lucas S. Cidreira
Arte-educador e militante

Que ebó


No caminho da Estrada de São Lázaro, indo pra aula de História da África em um dia de sexta-feira encontro em um poste dois pratos de isopor. Um tinha a cor azul e o outro era branco. Até aí seria normal pra qualquer pessoa. Mas o que estava dentro desses recipientes coloridos e a disposição desses elementos em meio a tal localidade é que toma tudo, no mínimo curioso e intrigante.
Dentro desses pratos havia rodelas de tomate, cebola e pimentão. Fato que olhado de forma corriqueira seria um resto de alguma salada, lixo residencial ou algo do tipo, entretanto, quando há uma apuração mais específica, existe o questionamento: o que é isso mesmo? E de forma grosseira surge: Que bozó é esse? Diferente não? Antigamente não era assim! Não se faz mais como antes!
Seria uma oferenda a Yemanjá de forma light-diet e a la vinagrete?
E ainda questionando... de que terreiro saiu tal proposta de trabalho? Seria de uma casa em forma de academia que tem o acompanhamento nutricional com um pai de santo personal trainer e as filhas de santo super saradas, com altas roupas ligadas ao corpo e um torço na cabeça? Os atabaques seriam em forma de anilas (pesos)?
Preferi não devagar mais e passar para o lado crítico da reflexão, mas ainda calcado em muitas questões.
Um ebó; pensei ter elementos como um senhor prato de barro, alimentos nada dietéticos, mas que jamais impactaram na beleza e candura dos Orixás e das iaôs; com uma amarela farofa de dendê, um denso e atraente vatapá, a luminosidade de velas coloridas; dependendo da entidade, cachaça e muitos outros elementos já bastante conhecidos e repassados de geração em geração. “Para não perder o costume”. Há o início de uma sensação de injustiça, intrometimento sem conhecimento de causa, a necessidade de “desafricanizar” a coisa, de forma sorrateira, como tem sido o preconceito nos tempos,
e ouve-se expressões do tipo: eu não tenho nada contra, só não me envolvo nestes coisas! ( Como se não tivesse nome).
Talvez realmente tenha visto um bozó mesmo, algo que não tem significado em nenhum dicionário, que é uma palavra desconhecida pala tradição africana e que dentro do contexto citado não pode ser pisado mesmo, pois as quedas proporcionadas pelos condimentos existentes seriam dignas de se chamar de malditas e causadoras de danos horríveis como a paraplegia.
Voltando para a atualidade, e ainda questionando, a inovação seria necessária dentro de um contexto religioso em que a essência está na tradição? Somente pelo fato de inovar? Só porque ser diferente está na moda, e de tanto muitos quererem ser diferentes se tornam igual por querer ser diferente, pois adotam as mesmas diferenças.
Não se trata de rejeitar o que há de novo, pois o que útil e serve para melhorias será sempre bem vindo, mas o desrespeito e invasão sem nem sequer pedir licença a uma cultura já sedimentada e completa, através de artifícios importados e que veladamente possui cunho racista, nada tem a acrescentar ao candomblé.


Jucimar dos Santos - Graduando em História pela Universidade Federal da Bahia e militante-artístico.

Questão de identidade

Assumir ou ter identidade parece uma nova moda atualmente, pelo menos para os desatentos. Porém, a discussão é uma da conquistas da luta dos movimentos negros que, sem pegar em armas, vêm lutando contra um racismo velado. Neste país que mata negros ninguém é assumidamente racista.
Numa peleja incansável, galgamos alguns degraus, já que hoje a existência de uma revista, como a Raça Brasil, com um conteúdo feminino e de comportamento, é comprovação de que nós consumimos, produzimos. E como tal podemos embelezar a capa.
Em outras esferas, o negro vem conquistando e assegurando seu espaço na política com candidaturas de vereadores (as), deputados (as), e etc.
No meio acadêmico com a lei 10.639 colocando algumas mudanças no pensamento de professores e alunos, mesmo que esta lei não tenha sido aplicada, e até em meios onde o estereótipo é um dos maiores desafios como nas artes: televisão, teatro e música, o trabalho agora é o de quebra as barreiras e vencer a titulações como cantor negro, atriz negra, assim poderemos conquistar a justiça e igualdade. Percebo como nova militante do movimento negro que é vital aparecer em todos os espaços possíveis e exigir não apenas tolerância, mais respeito.

Entendendo que é de grande importância a luta permanente e que as conquistas citadas são poucas em comparação ao sistema racista aí estabelecido, com obstáculos tão difíceis colocados para nós.
Neste país que mata negros, só por parecer suspeito. Nesta cidade onde se premia o cliente negro com monitoramento assim que o mesmo adentra um estabelecimento.
A identidade é ponto crucial, independente de assumir as tranças e o fenótipo o assumir da negritude se dá também através consciência de seus direitos e deveres da exigência de respeito e igualdade considerando que ser diferente não implica em ser menor ou cidadão de segunda classe.
Identidade é então a composição no só de cultura e tradições de um povo e a marca de que sem conhecimento de si próprio, um povo pode ser usado e destruído.
Acredito na educação e no combate intermitente ao racismo um em colaboração ao outro para a mudança do sistema atual, pois estando ciente de como se encontram as leis e vendo de várias perspectivas como foi e é tratado o negro, saberemos tanto manter como alcançar mais espaços e direitos.

Elque dos Santos - Graduada em Letras Vernáculas pela UNIJORGE, Arte-educadora e militante.

Violência simbólica:afirmação e negação da identidade na Diáspora

Dentre tantas manifestações, devemos observar aquela que nos parece mais presente e nociva – a violência simbólica, transportada em textos diversos, recebendo um recorte no século XX em dois ensaios brasileiros: “Casa-grande e Senzala” e “Sociologia do negro brasileiro”. Este último de grande importância quanto ao aparato teórico da identidade do homem negro e da mulher negra no Brasil e indicador de ferramentas para o ensino de História e Cultura afro-brasileira nas Ciências Humanas.
Apesar de muito utilizado como melhor estudo da questão dos africanos no Brasil - colônia, o mais destacado ensaio de Gilberto Freyre já tem outras leituras na atualidade. E nestas leituras vemos um tom mais personalizado e marcado da necessidade de negação da afirmativa desse autor. É neste momento que o movimento negro do Brasil exalta sua identidade e sua história como protagonistas, sendo pedreiros, escritores, cozinheiras ou cientistas.
Dentre estes traços para a afirmação negra na sociedade brasileira tem um papel de destaque a literatura, de cunho científico ou não. E conceitos como os trazidos por Clóvis Moura, homem negro, sociólogo, são hoje trabalhados em espaços politizados e educacionais, refletindo uma conquista coletiva de nosso povo.
Moura levantou alguns conceitos que foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação e Cultura no ano de 2005, como: Raça, representando um determinismo biológico; Etnia, pertencimento ancestral e étnico-racial na nossa sociedade; Étnico-racial considera uma multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida da população negra no Brasil - a defesa de uma sociedade Poliétnica (MOURA, 1988)
Outros que foram mais desenvolvidos na década de 90 pelas Ciências Sócias: Seleção racial, pensamento de Oliveira Vianna sobre a supremacia do homem branco: “a nossa civilização é obra exclusiva do homem branco. O negro e o índio, durante o longo processo da nossa formação social, não dão, como se vê, as classes superiores e dirigentes que realizam a obra de civilização e construção.”(VIANNA;1956, p.156). O que foi rebatido por Moura em outras obras. Negra/o como exótica/o-bestial, a nossa aparência na literatura até a década de 30; Rebeldia como patologia social e/ou biológica pertencente às camadas inferiores (classes dominadas= neg roas e negros escravizados).
Alguns dos conceitos exemplificados por Moura vão de encontro direto aos trazidos por Freyre em “Casa-grande e Senzala”: Sincretismo – catolicismo (superior) e fetichismo (inferior); Acomodação - consciência parcial do conflito (pós contato); Assimilação - agregar o do outro (catolicismo popular); Aculturação - formas de contato e as transformações dos povos dominados e dos dominantes; Cultura de folk - Primitivista ou agregados suplementares à cultura dominante (a cultura do oprimido agregada à cultura do dominante).
Transculturação é uma concepção feita por Fernando Ortiz para o fenômeno de interrcâmbio cultural que se faz quando populações de culturas diferentes se encontram: “O Brasil é um formidável exemplo de transculturação entre culturas africanas de várias origens (Yoruba, Kimbundu, Umbundu) da cultura luso-brasileira e outros elementos de culturas européias. O Brasil é um bom exemplo mas também Cuba, Haiti e outros países da América Latina. Mesmo em África, por exemplo, Luanda tem
a sua cultura particular que mostra muitos elementos de transculturação.” (Moura;1988.p.51).
Pode-se realçar alguns sistemas a partir da leitura comparada destas duas obras, a exemplo de Transculturação X Democracia Racial: “Nem da cultura nativa da América pode-se falar sem muito e rigorosa discriminação – tal a desigualdade de relevo cultural – nem da África basta excluir o Egito, com a sua opulência inconfundível de civilização, para falar-se então à vontade da cultura africana, chata e uma só” (FREYRE;1973.p.285); e Miscigenação = Democratização, ou seja, negação da identidade enquanto sociedade concreta.
Diante dos referenciais teóricos apresentados, a identidade afro-brasileira vem se legitimando em análise dos processos recorrentes da Diáspora do ponto de vista sócio-histórico. Apesar da diferença das décadas de cada obra, a intertextualidade ocorre diretamente por Moura, apontando e denunciando os aspectos preconceituosos e discriminantes de historiadores e sociólogos renomados como Freyre e Vianna. Logo, a apreciação de tais posturas deve ser reavaliada pelos educadores a fim de realizar procedimentos inovadores e de afirmação negra no ensino de história e cultura afro-brasileira das séries iniciais ao ensino superior.


Ana Fátima dos Santos - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia e militante

A frente Negra Bahiana

Um dos estados onde a Frente Negra se estabeleceu foi na Bahia (Azevedo, 1996; Bacelar, 1996). Precedida pelas irmandades e associações operárias e beneficentes, “ela não tinha”, segundo Thales de Azevedo, “a finalidade expressa de defesa das pessoas de cor contra os preconceitos raciais” (Azevedo, 1996, p. 57); preocupava-se com a integração dos negros à sociedade.
Marcos Rodrigues dos Santos, um dos fundadores da Frente Negra em São Paulo, foi o fundador da Frente Negra Baiana (Bacelas, 1996, p. 75). Seus quadros eram formados por pretos e mestiços pobres; neles não constavam os negros de situação estável, porque estes não foram excluídos do mundo do trabalho pelos imigrantes, como ocorreu em São Paulo, onde os negros dessa classe, impedidos de ascensão, participavam ativamente da Frente (Bacelar, 1996). “A Frente Negra Baiana também via a educação como via de mobilidade, ascensão e integração social, por isso ministrou cursos de alfabetização noturnos, cursos primários, de música, de datilografia e de línguas” (Bacelar, 1996, p. 76). Angariava fundos através de sessões e festas beneficentes. Preocupava-se com a mulher negra e sua imagem e instituiu o quadro social feminino, para agregar as mulheres negras.
Ações da “Frente Negra Baiana”:
A “Frente Negra Baiana” promovia conferências, como “O negro bahiano”, “A família e a alphabetização” e publicava um semanário, divulgando e defendendo a Frente, Mediava as intervenções no mercado de trabalho e instalou uma agência de empregos, para onde empregador e empregados poderiam se dirigir.
No campo político, realizou comícios no Largo Dois de Julho, na Fazenda Garcia, no Largo do Tanque, nas Sete Portas, na Baixa de Quintas e nas Docas, focalizando a alfabetização e a liberdade de voto.
No dia 13 de Maio a frente reverenciava os abolicionistas Castro Alves, José do Patrocínio, Luís Gama e os “batalhadores da causa negra” do presente século. Frentenegros iam em romaria aos túmulos dos professores Maxwel Porphirio, Sacendino dos Anjos e Manoel Querino, para depositar flores naturais. Maxwel Porphirio de Assunpção era advogado. Fez um protesto através da imprensa, contra o projeto apresentado à Câmara Federal pelo deputado Lincinato Braga, proibindo a imigração negra para o Brasil12. Ascendino dos Anjos foi um líder negro, funcionário da Escola Politécnica da Bahia. Manoel Querino foi abolicionista, político, jornalista e professor, um dos precursores da antropologia brasileira e militante da causa negra no Brasil (Bacelar, 1996).
As reações da imprensa à “Frente Negra Baiana”:
A “Frente Negra Baiana”, desagregou-se sob o peso do mito da “democracia racial”, recém instaurado e muito forte na época e das reações da imprensa local, que via como “uma novidade para a Bahia a notícia de que os homens de cor, para os quais não se fazem distinção, tanto que os há em todos os cargos e postos, vão se congregar” (Azevedo, 1996, p. 157). A imprensa negava a existência do racismo e alegava que a Frente tinha influências comunistas, fato que se repetiu várias décadas depois, em 1974, quando do surgimento do bloco Afro Ilê Aiyê, em Salvador. Segundo Bacelar (1996, p. 83), “os discursos e as práticas do projeto hegemônico, o “mito da baianidade”, foram mais eficazes que a ação repressiva direta”.
Por outro lado, a Frente foi importante, entre outras razões, porque ajudou a desmontar o mito da igualdade racial, uma vez que “a discriminação existia, independente do gradiente de cor e de classe social a que os negros pertenciam, bem como o mito da integração, pela dificuldade do branco em conviver e respeitar o negro em pé de igualdade de condições” (Bacelar, 1996, p. 196).
12 Jornal A Tarde de 08/08/1921, apud Bacelar, 1996)


Ana Célia da Silva - Professora adjunta do DEPED/Campus I e militante do M.N.