domingo, 23 de agosto de 2009

Eu sou aquela mulher negra que há
muito tempo habitava outras terras.

Era uma moça com seus sonhos e ilusões,
tinha família para cuidar e filho para criar,
era mulher negra guerreira.
Mas fui arrancada, seqüestrada,
trazida para essa terra desconhecida
para ser escravizada.

Tratada como animal fui violentada
sexualmente, e
tinhas seguintes fins lucrativo
para uma sociedade escravista:
trabalhar, servir “seu dono”,
dar lhe “prazer” e procriar.

Tiraram minha linguagem de origem,
mas não tiraram minha essência.

Por que essência é hoje eu poder
e ter o orgulho de dizer,
Que sou mulher negra e sou fruto
da nossa autoconsciência.

*De Cassia
Mulher Negra de luta

Acerto de cotas



depois de nos espremermos
sob as pontes
dividindo pedaços de vão
depois de esquentarmos nossos medos
nos limites de cada prisão
e de disputarmos com todos os bichos
buracos no parmesão
é hora de outras partilhas...
distribuir agasalhos, e não o frio
repartir comida, e não a fome

depois dos lares loteados
pelas botas da violência
e dos empregos cotizados
para servir às aparências
depois dos elencos rateados
nos cabendo a subserviência
é tempo de outros papéis
e – por que não? - de anéis...


* Lande Onawale
Poeta e Militante

Na força do Rumpi

O Rumpi que transpõe-se as cercas,
Que rompe as mordaças do ignorar,
Que o axé,

Poder do orixá,
Acumulada nos terreiros,
Difundidas por alabês
Na celebração/saudação.

Só com a força do Rumpi,
os homenageados podem dançar.

Ouvindo e sentindo
o axé dos Rumpis,
Batas, Tan-tans e Cotôs
Me envolve na profunda
Magia do momento.

E fui encontrar na África
A benção e o louvor
De meus inquices.

*Elque dos Santos
Arte-educadora e militante

Agostinho Neto

Te revelo neto
Lutador de feitos
Com seu destemido exemplo
Por seu feliz desrespeito
Por muitos fora preso
Uma, duas,....três...opa.
Perdi até as contas

Neto do suplicio fez seu brilho, seu lume
Juntou-se a poesia e fez dela costume
Cativou intelectuais
Com sua crença meu futuro de paz

Te revelo Neto
Lutador de feitos
Por seu feliz desrespeito
Por muitas fora preso
Uma, duas, três, tantas que nem sei
Mas a revolução ele fez
Faz e fez-se
Para a História negra de todo o sempre.

Lucas S. Cidreira
Arte-educador e militante

Que ebó


No caminho da Estrada de São Lázaro, indo pra aula de História da África em um dia de sexta-feira encontro em um poste dois pratos de isopor. Um tinha a cor azul e o outro era branco. Até aí seria normal pra qualquer pessoa. Mas o que estava dentro desses recipientes coloridos e a disposição desses elementos em meio a tal localidade é que toma tudo, no mínimo curioso e intrigante.
Dentro desses pratos havia rodelas de tomate, cebola e pimentão. Fato que olhado de forma corriqueira seria um resto de alguma salada, lixo residencial ou algo do tipo, entretanto, quando há uma apuração mais específica, existe o questionamento: o que é isso mesmo? E de forma grosseira surge: Que bozó é esse? Diferente não? Antigamente não era assim! Não se faz mais como antes!
Seria uma oferenda a Yemanjá de forma light-diet e a la vinagrete?
E ainda questionando... de que terreiro saiu tal proposta de trabalho? Seria de uma casa em forma de academia que tem o acompanhamento nutricional com um pai de santo personal trainer e as filhas de santo super saradas, com altas roupas ligadas ao corpo e um torço na cabeça? Os atabaques seriam em forma de anilas (pesos)?
Preferi não devagar mais e passar para o lado crítico da reflexão, mas ainda calcado em muitas questões.
Um ebó; pensei ter elementos como um senhor prato de barro, alimentos nada dietéticos, mas que jamais impactaram na beleza e candura dos Orixás e das iaôs; com uma amarela farofa de dendê, um denso e atraente vatapá, a luminosidade de velas coloridas; dependendo da entidade, cachaça e muitos outros elementos já bastante conhecidos e repassados de geração em geração. “Para não perder o costume”. Há o início de uma sensação de injustiça, intrometimento sem conhecimento de causa, a necessidade de “desafricanizar” a coisa, de forma sorrateira, como tem sido o preconceito nos tempos,
e ouve-se expressões do tipo: eu não tenho nada contra, só não me envolvo nestes coisas! ( Como se não tivesse nome).
Talvez realmente tenha visto um bozó mesmo, algo que não tem significado em nenhum dicionário, que é uma palavra desconhecida pala tradição africana e que dentro do contexto citado não pode ser pisado mesmo, pois as quedas proporcionadas pelos condimentos existentes seriam dignas de se chamar de malditas e causadoras de danos horríveis como a paraplegia.
Voltando para a atualidade, e ainda questionando, a inovação seria necessária dentro de um contexto religioso em que a essência está na tradição? Somente pelo fato de inovar? Só porque ser diferente está na moda, e de tanto muitos quererem ser diferentes se tornam igual por querer ser diferente, pois adotam as mesmas diferenças.
Não se trata de rejeitar o que há de novo, pois o que útil e serve para melhorias será sempre bem vindo, mas o desrespeito e invasão sem nem sequer pedir licença a uma cultura já sedimentada e completa, através de artifícios importados e que veladamente possui cunho racista, nada tem a acrescentar ao candomblé.


Jucimar dos Santos - Graduando em História pela Universidade Federal da Bahia e militante-artístico.

Questão de identidade

Assumir ou ter identidade parece uma nova moda atualmente, pelo menos para os desatentos. Porém, a discussão é uma da conquistas da luta dos movimentos negros que, sem pegar em armas, vêm lutando contra um racismo velado. Neste país que mata negros ninguém é assumidamente racista.
Numa peleja incansável, galgamos alguns degraus, já que hoje a existência de uma revista, como a Raça Brasil, com um conteúdo feminino e de comportamento, é comprovação de que nós consumimos, produzimos. E como tal podemos embelezar a capa.
Em outras esferas, o negro vem conquistando e assegurando seu espaço na política com candidaturas de vereadores (as), deputados (as), e etc.
No meio acadêmico com a lei 10.639 colocando algumas mudanças no pensamento de professores e alunos, mesmo que esta lei não tenha sido aplicada, e até em meios onde o estereótipo é um dos maiores desafios como nas artes: televisão, teatro e música, o trabalho agora é o de quebra as barreiras e vencer a titulações como cantor negro, atriz negra, assim poderemos conquistar a justiça e igualdade. Percebo como nova militante do movimento negro que é vital aparecer em todos os espaços possíveis e exigir não apenas tolerância, mais respeito.

Entendendo que é de grande importância a luta permanente e que as conquistas citadas são poucas em comparação ao sistema racista aí estabelecido, com obstáculos tão difíceis colocados para nós.
Neste país que mata negros, só por parecer suspeito. Nesta cidade onde se premia o cliente negro com monitoramento assim que o mesmo adentra um estabelecimento.
A identidade é ponto crucial, independente de assumir as tranças e o fenótipo o assumir da negritude se dá também através consciência de seus direitos e deveres da exigência de respeito e igualdade considerando que ser diferente não implica em ser menor ou cidadão de segunda classe.
Identidade é então a composição no só de cultura e tradições de um povo e a marca de que sem conhecimento de si próprio, um povo pode ser usado e destruído.
Acredito na educação e no combate intermitente ao racismo um em colaboração ao outro para a mudança do sistema atual, pois estando ciente de como se encontram as leis e vendo de várias perspectivas como foi e é tratado o negro, saberemos tanto manter como alcançar mais espaços e direitos.

Elque dos Santos - Graduada em Letras Vernáculas pela UNIJORGE, Arte-educadora e militante.

Violência simbólica:afirmação e negação da identidade na Diáspora

Dentre tantas manifestações, devemos observar aquela que nos parece mais presente e nociva – a violência simbólica, transportada em textos diversos, recebendo um recorte no século XX em dois ensaios brasileiros: “Casa-grande e Senzala” e “Sociologia do negro brasileiro”. Este último de grande importância quanto ao aparato teórico da identidade do homem negro e da mulher negra no Brasil e indicador de ferramentas para o ensino de História e Cultura afro-brasileira nas Ciências Humanas.
Apesar de muito utilizado como melhor estudo da questão dos africanos no Brasil - colônia, o mais destacado ensaio de Gilberto Freyre já tem outras leituras na atualidade. E nestas leituras vemos um tom mais personalizado e marcado da necessidade de negação da afirmativa desse autor. É neste momento que o movimento negro do Brasil exalta sua identidade e sua história como protagonistas, sendo pedreiros, escritores, cozinheiras ou cientistas.
Dentre estes traços para a afirmação negra na sociedade brasileira tem um papel de destaque a literatura, de cunho científico ou não. E conceitos como os trazidos por Clóvis Moura, homem negro, sociólogo, são hoje trabalhados em espaços politizados e educacionais, refletindo uma conquista coletiva de nosso povo.
Moura levantou alguns conceitos que foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação e Cultura no ano de 2005, como: Raça, representando um determinismo biológico; Etnia, pertencimento ancestral e étnico-racial na nossa sociedade; Étnico-racial considera uma multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida da população negra no Brasil - a defesa de uma sociedade Poliétnica (MOURA, 1988)
Outros que foram mais desenvolvidos na década de 90 pelas Ciências Sócias: Seleção racial, pensamento de Oliveira Vianna sobre a supremacia do homem branco: “a nossa civilização é obra exclusiva do homem branco. O negro e o índio, durante o longo processo da nossa formação social, não dão, como se vê, as classes superiores e dirigentes que realizam a obra de civilização e construção.”(VIANNA;1956, p.156). O que foi rebatido por Moura em outras obras. Negra/o como exótica/o-bestial, a nossa aparência na literatura até a década de 30; Rebeldia como patologia social e/ou biológica pertencente às camadas inferiores (classes dominadas= neg roas e negros escravizados).
Alguns dos conceitos exemplificados por Moura vão de encontro direto aos trazidos por Freyre em “Casa-grande e Senzala”: Sincretismo – catolicismo (superior) e fetichismo (inferior); Acomodação - consciência parcial do conflito (pós contato); Assimilação - agregar o do outro (catolicismo popular); Aculturação - formas de contato e as transformações dos povos dominados e dos dominantes; Cultura de folk - Primitivista ou agregados suplementares à cultura dominante (a cultura do oprimido agregada à cultura do dominante).
Transculturação é uma concepção feita por Fernando Ortiz para o fenômeno de interrcâmbio cultural que se faz quando populações de culturas diferentes se encontram: “O Brasil é um formidável exemplo de transculturação entre culturas africanas de várias origens (Yoruba, Kimbundu, Umbundu) da cultura luso-brasileira e outros elementos de culturas européias. O Brasil é um bom exemplo mas também Cuba, Haiti e outros países da América Latina. Mesmo em África, por exemplo, Luanda tem
a sua cultura particular que mostra muitos elementos de transculturação.” (Moura;1988.p.51).
Pode-se realçar alguns sistemas a partir da leitura comparada destas duas obras, a exemplo de Transculturação X Democracia Racial: “Nem da cultura nativa da América pode-se falar sem muito e rigorosa discriminação – tal a desigualdade de relevo cultural – nem da África basta excluir o Egito, com a sua opulência inconfundível de civilização, para falar-se então à vontade da cultura africana, chata e uma só” (FREYRE;1973.p.285); e Miscigenação = Democratização, ou seja, negação da identidade enquanto sociedade concreta.
Diante dos referenciais teóricos apresentados, a identidade afro-brasileira vem se legitimando em análise dos processos recorrentes da Diáspora do ponto de vista sócio-histórico. Apesar da diferença das décadas de cada obra, a intertextualidade ocorre diretamente por Moura, apontando e denunciando os aspectos preconceituosos e discriminantes de historiadores e sociólogos renomados como Freyre e Vianna. Logo, a apreciação de tais posturas deve ser reavaliada pelos educadores a fim de realizar procedimentos inovadores e de afirmação negra no ensino de história e cultura afro-brasileira das séries iniciais ao ensino superior.


Ana Fátima dos Santos - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia e militante

A frente Negra Bahiana

Um dos estados onde a Frente Negra se estabeleceu foi na Bahia (Azevedo, 1996; Bacelar, 1996). Precedida pelas irmandades e associações operárias e beneficentes, “ela não tinha”, segundo Thales de Azevedo, “a finalidade expressa de defesa das pessoas de cor contra os preconceitos raciais” (Azevedo, 1996, p. 57); preocupava-se com a integração dos negros à sociedade.
Marcos Rodrigues dos Santos, um dos fundadores da Frente Negra em São Paulo, foi o fundador da Frente Negra Baiana (Bacelas, 1996, p. 75). Seus quadros eram formados por pretos e mestiços pobres; neles não constavam os negros de situação estável, porque estes não foram excluídos do mundo do trabalho pelos imigrantes, como ocorreu em São Paulo, onde os negros dessa classe, impedidos de ascensão, participavam ativamente da Frente (Bacelar, 1996). “A Frente Negra Baiana também via a educação como via de mobilidade, ascensão e integração social, por isso ministrou cursos de alfabetização noturnos, cursos primários, de música, de datilografia e de línguas” (Bacelar, 1996, p. 76). Angariava fundos através de sessões e festas beneficentes. Preocupava-se com a mulher negra e sua imagem e instituiu o quadro social feminino, para agregar as mulheres negras.
Ações da “Frente Negra Baiana”:
A “Frente Negra Baiana” promovia conferências, como “O negro bahiano”, “A família e a alphabetização” e publicava um semanário, divulgando e defendendo a Frente, Mediava as intervenções no mercado de trabalho e instalou uma agência de empregos, para onde empregador e empregados poderiam se dirigir.
No campo político, realizou comícios no Largo Dois de Julho, na Fazenda Garcia, no Largo do Tanque, nas Sete Portas, na Baixa de Quintas e nas Docas, focalizando a alfabetização e a liberdade de voto.
No dia 13 de Maio a frente reverenciava os abolicionistas Castro Alves, José do Patrocínio, Luís Gama e os “batalhadores da causa negra” do presente século. Frentenegros iam em romaria aos túmulos dos professores Maxwel Porphirio, Sacendino dos Anjos e Manoel Querino, para depositar flores naturais. Maxwel Porphirio de Assunpção era advogado. Fez um protesto através da imprensa, contra o projeto apresentado à Câmara Federal pelo deputado Lincinato Braga, proibindo a imigração negra para o Brasil12. Ascendino dos Anjos foi um líder negro, funcionário da Escola Politécnica da Bahia. Manoel Querino foi abolicionista, político, jornalista e professor, um dos precursores da antropologia brasileira e militante da causa negra no Brasil (Bacelar, 1996).
As reações da imprensa à “Frente Negra Baiana”:
A “Frente Negra Baiana”, desagregou-se sob o peso do mito da “democracia racial”, recém instaurado e muito forte na época e das reações da imprensa local, que via como “uma novidade para a Bahia a notícia de que os homens de cor, para os quais não se fazem distinção, tanto que os há em todos os cargos e postos, vão se congregar” (Azevedo, 1996, p. 157). A imprensa negava a existência do racismo e alegava que a Frente tinha influências comunistas, fato que se repetiu várias décadas depois, em 1974, quando do surgimento do bloco Afro Ilê Aiyê, em Salvador. Segundo Bacelar (1996, p. 83), “os discursos e as práticas do projeto hegemônico, o “mito da baianidade”, foram mais eficazes que a ação repressiva direta”.
Por outro lado, a Frente foi importante, entre outras razões, porque ajudou a desmontar o mito da igualdade racial, uma vez que “a discriminação existia, independente do gradiente de cor e de classe social a que os negros pertenciam, bem como o mito da integração, pela dificuldade do branco em conviver e respeitar o negro em pé de igualdade de condições” (Bacelar, 1996, p. 196).
12 Jornal A Tarde de 08/08/1921, apud Bacelar, 1996)


Ana Célia da Silva - Professora adjunta do DEPED/Campus I e militante do M.N.