domingo, 23 de agosto de 2009

Violência simbólica:afirmação e negação da identidade na Diáspora

Dentre tantas manifestações, devemos observar aquela que nos parece mais presente e nociva – a violência simbólica, transportada em textos diversos, recebendo um recorte no século XX em dois ensaios brasileiros: “Casa-grande e Senzala” e “Sociologia do negro brasileiro”. Este último de grande importância quanto ao aparato teórico da identidade do homem negro e da mulher negra no Brasil e indicador de ferramentas para o ensino de História e Cultura afro-brasileira nas Ciências Humanas.
Apesar de muito utilizado como melhor estudo da questão dos africanos no Brasil - colônia, o mais destacado ensaio de Gilberto Freyre já tem outras leituras na atualidade. E nestas leituras vemos um tom mais personalizado e marcado da necessidade de negação da afirmativa desse autor. É neste momento que o movimento negro do Brasil exalta sua identidade e sua história como protagonistas, sendo pedreiros, escritores, cozinheiras ou cientistas.
Dentre estes traços para a afirmação negra na sociedade brasileira tem um papel de destaque a literatura, de cunho científico ou não. E conceitos como os trazidos por Clóvis Moura, homem negro, sociólogo, são hoje trabalhados em espaços politizados e educacionais, refletindo uma conquista coletiva de nosso povo.
Moura levantou alguns conceitos que foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação e Cultura no ano de 2005, como: Raça, representando um determinismo biológico; Etnia, pertencimento ancestral e étnico-racial na nossa sociedade; Étnico-racial considera uma multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida da população negra no Brasil - a defesa de uma sociedade Poliétnica (MOURA, 1988)
Outros que foram mais desenvolvidos na década de 90 pelas Ciências Sócias: Seleção racial, pensamento de Oliveira Vianna sobre a supremacia do homem branco: “a nossa civilização é obra exclusiva do homem branco. O negro e o índio, durante o longo processo da nossa formação social, não dão, como se vê, as classes superiores e dirigentes que realizam a obra de civilização e construção.”(VIANNA;1956, p.156). O que foi rebatido por Moura em outras obras. Negra/o como exótica/o-bestial, a nossa aparência na literatura até a década de 30; Rebeldia como patologia social e/ou biológica pertencente às camadas inferiores (classes dominadas= neg roas e negros escravizados).
Alguns dos conceitos exemplificados por Moura vão de encontro direto aos trazidos por Freyre em “Casa-grande e Senzala”: Sincretismo – catolicismo (superior) e fetichismo (inferior); Acomodação - consciência parcial do conflito (pós contato); Assimilação - agregar o do outro (catolicismo popular); Aculturação - formas de contato e as transformações dos povos dominados e dos dominantes; Cultura de folk - Primitivista ou agregados suplementares à cultura dominante (a cultura do oprimido agregada à cultura do dominante).
Transculturação é uma concepção feita por Fernando Ortiz para o fenômeno de interrcâmbio cultural que se faz quando populações de culturas diferentes se encontram: “O Brasil é um formidável exemplo de transculturação entre culturas africanas de várias origens (Yoruba, Kimbundu, Umbundu) da cultura luso-brasileira e outros elementos de culturas européias. O Brasil é um bom exemplo mas também Cuba, Haiti e outros países da América Latina. Mesmo em África, por exemplo, Luanda tem
a sua cultura particular que mostra muitos elementos de transculturação.” (Moura;1988.p.51).
Pode-se realçar alguns sistemas a partir da leitura comparada destas duas obras, a exemplo de Transculturação X Democracia Racial: “Nem da cultura nativa da América pode-se falar sem muito e rigorosa discriminação – tal a desigualdade de relevo cultural – nem da África basta excluir o Egito, com a sua opulência inconfundível de civilização, para falar-se então à vontade da cultura africana, chata e uma só” (FREYRE;1973.p.285); e Miscigenação = Democratização, ou seja, negação da identidade enquanto sociedade concreta.
Diante dos referenciais teóricos apresentados, a identidade afro-brasileira vem se legitimando em análise dos processos recorrentes da Diáspora do ponto de vista sócio-histórico. Apesar da diferença das décadas de cada obra, a intertextualidade ocorre diretamente por Moura, apontando e denunciando os aspectos preconceituosos e discriminantes de historiadores e sociólogos renomados como Freyre e Vianna. Logo, a apreciação de tais posturas deve ser reavaliada pelos educadores a fim de realizar procedimentos inovadores e de afirmação negra no ensino de história e cultura afro-brasileira das séries iniciais ao ensino superior.


Ana Fátima dos Santos - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia e militante

Um comentário:

  1. Olá Ana Fátima! Sou pesquisadora também, iniciando como militante do movimento negro e gostaria muito de um contato contigo para troca de experiências. Estive recentemente aí na Bahia, no 2º Congresso Baiano de Pesquisadores Negros. Segue o meu e-mail: trindade.paulinha@gmail.com

    Desde já agradeço. Um abraço

    Ana Paula dos Santos Trindade

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