sábado, 26 de setembro de 2009

Primeira Palavra

Primeira palavra.
Procurava a primeira, pra começar algo que fale de mim. Procurava uma forma de explicar algo que aparentemente não se explica.
Quando olho aquele rostinho tão singelo.
Aqui apertada na saudade, as exatas 00:00 da noite, começo a relatar.
Foi surpreendente o seu chegar... Foi em um momento engraçado, indo a uma manifestação no centro de São Paulo... Estranhamente, sentia dores, ao tentar fechar o botão da calça, e dentro do carro eu dizia:
- Minha calça não quer fechar.
E me perdia no grito alucinador de alguma das ruas que compunham o percurso até o já batido local de encontro de “rebeldes”. Paulista.
Não me atrapalhava de forma alguma. A cabeça de uma pequena preta de 16 anos, nunca entenderia a grandeza do que estava acontecendo.
Feliz, na conversa com amigas demonstrava a ansiedade de saber o quanto antes se aquilo que suspeitava era verdade. Como se fosse mais uma de suas aventuras, tantas já vividas mesmo com tão pouca idade.
- Tenho vergonha, não tenho coragem de pedir.
- Porque? Nossa nada a ver!!! Tudo bem eu peço.
- Quanto custa o teste de gravidez?
- Tem de sete, de treze, de quinze. E esse de vinte que é eletrônico.
- Me vê o de treze, por favor.
E eu, sem conseguir olhar para a atendente, observava a tranqüilidade da No, como se comprasse um antiinflamatório.
- Obrigado.
Saiamos rapidamente da farmácia, ainda sem almoçar, fomos a pastelaria, com pressa de voltar logo para a escola.


Logo de manhã já se ouvia o som do rádio. Aquele que eu ainda não conhecia a grandiosidade do coração, levantava pra mais um dia de labuta.
Pulando da cama, chego ao banheiro com o confuso instrumento, que me revelaria, ou negaria. Sem saber certamente como utiliza-lo e com pressa, medo que alguém batesse a porta do banheiro, com o celular na mão, preparei o coração, para agir friamente ao resultado. Não foi preciso esperar os necessários cinco minutos. Mal encostado a urina, o teste já trazia o resultado. Duas listras? Sim! Positivo...
Abri a porta do banheiro, vesti minha roupa... Peguei a bolsa e corri até o ponto. Sem tomar café, sem pensar, coração aos pulos...
Agora o ar não será mais o mesmo. As pessoas, a forma de caminhar. Não quero respirar essa fumaça cinza, não quero que me empurrem, e nem me apertem no buzu. Não quero subir correndo a rua, mesmo atrasada!

Chego escancarando a resposta no olhar. Sabem elas de tudo que ocorre, somente elas. Então, mal entro e a curiosidade as deixa inquietas:
- Deu positivo...
- Ahhhhhhhhhhhhhh.
É a única coisa que ouço, nada mais tem sentido, a não ser aquilo. Somente aquilo.

Ângela Medeiros
Mãe Preta, graduada em Relações Internacionais, das periferias do ABC-Grande São Paulo.

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