terça-feira, 27 de outubro de 2009

Caruru

O menorzinho comeu logo três pratos; esperou mais tempo e ainda pegou a gamela _não se importou de sujar as mãos. Alguém pediu que limpasse ouro no pano branco. O maior era retraído, mas o menor destemido obedeceu. Depois soprou as mãos que parecia brincadeira: cantou forte o já comeu, cantou o já bebeu e o que está fazendo aqui. Esperou mais, prudente que era, lá no cantinho da sala, juntinho da mesa, perto dos maiores que aguardavam a vez. “Esse aqui ainda não teve, não é menino?”. Ele assentiu numa esperteza de sobrevivente, contando umas sete moedinhas no chão, onde os pés não se iam; nem os dele, nem os de ninguém, todos cuidavam de evitar aquele canto. Mas, pra minha surpresa, em novo instante, o peguei curioso admirando a oferenda no fundo da casa, pois gostou muito foi de ver as velinhas coloridas e, se não me visse olhando de cá, ia firme no mel do santo. “Essa não pode!”. Ele riu-se todo com os olhos cutucando o maior descrente. Alguém contou os pedaços de galinha em seu prato comparando os sortidos, outro lhe dera umas balas em segredo. “Espera a galinha gorda!”, ordenou o velho passando com os sacos grandes enchendo as vistas de todo mundo, até dos que entraram sem ser chamados. Enquanto isso, a criançada do lado de fora se engalfinhava numa confusão danada atrás da galinha gorda, mas ninguém conseguia passar pra dentro. Foi um pega daqui, um pega acolá, puxa as calças de um e outro, segura o rabo de cavalo das meninas e tome sapato e sandália pra todo lado. Aquilo era a felicidade que vinha doce numa chuva de balas tomando conta da rua toda:”Essa é minha!”, gritou um catando no chão. Um magrinho só de meias escapou com os bolsos cheios e a boca dourada de dendê, rindo como um gaiato depois de levar vantagem no empurra, empurra....La dentro, alguém consentiu a cabeça e o Erê desceu, a roda ficou animada e as palmas uniram-se ás vozes. Um rapaz riu também da traquinagem do menorzinho, que ensaiou um samba miudinho, antes de ser puxado pela manga da camisa; fora mandado para o canto: “Aqui não pode, energias, espere aí!”. O maior, gostando de tudo ver, abaixou-se pra segurar a barra branca da saia da menina:”Oxe!”, a coisa tava foi boa. Eu só sei é que lá pelas tantas, no lajedo da frente, foi uma graça ver o cansaço das crianças barrigudinhas de tanta farra de comida. Alguns tomaram a benção de Mainha cheios do merecido respeito, como gente grande. E assim, de praxe, não faltou quem perguntasse: “minha Tia Preta, aquele quiabo grande, eu comi e agora?”. Ela respondeu, contente que só ela: “Agora é sua vez!. É com você, Cosme, Damião e Doum!”. Omi Beijada!

*Letícia Reis
Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia - Salvador - poeta e cronista

Nenhum comentário:

Postar um comentário